Artigos - Educação Consciente
Hoje, amanhã e depois de amanhã
07/04/2008
A educação só é válida,
se renova e transforma.
Reiventado, o saber valida
O bem que de ti transborda.
Falar de educação, ao contrário do que possa parecer, não é tarefa fácil, já que no campo conceitual existem divergências e diferenciações, principalmente no que se refere aos termos educação e instrução. Além disso, outras questões se impõem como, por exemplo, qual o seu objeto? Ela é adquirida na escola ou na sociedade? A quem ela serve como instrumento de dominação, ideológico, etc.? Não é meu objetivo entrar na discussão dessas diferenças e nuanças, uma vez que o tema aqui em exposição é o da cidadania e sua relação com alguns elementos que podem interferir ou não no seu exercício, ou seja, a educação aqui será tratada de forma abrangente, “como o povo entende”, como costuma dizer um amigo meu.
Diz a Constituição brasileira: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Se tomássemos como base o dito constitucional, sem levar em consideração a realidade, com certeza diríamos que a educação no Brasil serve à causa da cidadania. Ocorre que entre o enunciado e a prática existe um vácuo a ser preenchido, não só pelo Estado, mas também pela família e pela própria sociedade. E o irônico, ou interessante nisso tudo, é que o exercício da cidadania que o texto constitucional propõe é justamente aquilo que deve ser acionado para garantir que a educação cumpra o seu papel. Disso tudo, desprende-se que a educação para a cidadania não depende única e exclusivamente da “educação oficial”, da instrução escolar, como preferirem, uma vez que esta tem educado para a submissão, para uma “cidadania menor” reforçando as desigualdades.
A reflexão que proponho a partir do que já foi dito, se baseia principalmente no fato de que a educação deve ser a base para o exercício da cidadania, e para que isso aconteça é necessária a compreensão de que se deve rever todo o sistema educacional vigente, pois, da forma como ele hoje se apresenta, não deixa de ser mais um agente de inibição do exercício da cidadania. Se o próprio professor ou educador não se garante como cidadão, tem a sua dignidade, sua auto-estima e o seu amor próprio, ultrajados a todo instante, como pode ele ser um agente disseminador, motivador da cidadania? Aqui tomo a liberdade de transcrever um trecho de um artigo de David L. Bogomoletz, em Crise da Cidadania...-, que vem enriquecer essa reflexão: “... a educação para a cidadania poderia ser uma idéia louvável. Só que para ser uma prática também louvável, é indispensável que os que ensinam - do governo ao professor - sejam um exemplo concreto do que está sendo ensinado. Caso contrário, acaba-se ensinando a hipocrisia. Isto, acabou sendo muito bem ensinado e, infelizmente, bastante aprendido”. Sobre o mesmo tema diz Huberto Rohden: “toda a arte de educar consiste em despertar e estimular no educando suas potencialidades dormentes”, em outras palavras, a educação deve ser um estímulo ao desenvolvimento do homem em toda a sua essência, capacitando-o para a vida.
Sobre isso, lembro-me das dificuldades que enfrentei nas escolas por onde passei, nas dificuldades para entender o confronto entre a realidade em que eu vivia e aquela que tentavam me fazer crer que existia. Penso que, se eu tivesse dependido apenas dos estímulos da escola, acreditem: hoje eu não estaria aqui propondo esta reflexão. Possivelmente, se não estivesse na escuridão de uma cela, estaria representado por mais um número na estatística dos miseráveis, dos sem-cidadania.
Entendendo o exercício da cidadania como uma potencialidade que precisa ser estimulada, motivada no indivíduo, não há como fugir à conclusão de que a educação, em todas as suas formas, deve servir ao cidadão. Embora saiba que o exercício da cidadania assusta as elites, às oligarquias, isso tem que ser confrontado, a não ser que queiramos continuar perpetuando as desigualdades, ou então continuar no faz-de-conta de que queremos mudar alguma coisa. De nada valem os discursos tipo: “a solução é a educação”, se a ação política concreta não acontecer na mesma direção. Há que se repensar a educação a partir do básico, do acesso à escola, dos currículos escolares, da formação dos professores, da construção de uma ética do professor, dos salários, da gestão democrática e comunitária da escola, da participação comunitária nas decisões político-pedagógicas. Tudo isso, bem entendido, partindo da instituição de uma nova pedagogia que, como diz o mestre Paulo Freire, tome a educação como prática da liberdade e da cidadania; uma educação voltada e compromissada com o resgate da cidadania humana em toda a sua extensão.
Certamente, dificuldades existem para que a educação cumpra alguns dos objetivos propostos; o que posso dizer é que não são intransponíveis; acima dos interesses econômicos e políticos, é chegada a hora da cidadania também “reinventar a educação”.
Willes S. Geaquinto
* Texto transcrito do livro Cidadania, O Direito de Ser Feliz. Escrito e publicado pela primeira vez em 1996, reeditado em 2002, com ambas as edições esgotadas.
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